sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Mobilidade e pobreza urbana


A pobreza é um fenômeno de várias dimensões. Não é apenas insuficiência de renda para que uma família satisfaça suas necessidades básicas, mas também a privação dos direitos sociais básicos e do acesso aos serviços essenciais - dentre estes, o transporte público coletivo urbano. Em sua dimensão territorial, a pobreza urbana se expressa na segregação espacial dos mais pobres nas periferias – estas, caracterizadas pela baixa oferta de serviços públicos, e ausência de infra-estrutura básica. A oferta de serviços de transporte coletivo urbano para aquelas regiões não ocorre de maneira adequada, tanto em termos de preço como de disponibilidade.
A participação dos gastos com transporte no orçamento das famílias de baixa renda é muito elevada. Para os 20% mais pobres da Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, a Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE de 2002-3 mostrou que as despesas com serviços de transporte urbano representavam cerca de 8% das despesas totais dessas famílias – duas vezes mais a participação média dessa despesa para toda a população pesquisada, que era de 4%. Existe uma associação muito estreita entre mobilidade e renda. Os dados da pesquisa Origem e Destino da Região Metropolitana de SãoPaulo, realizada em 2002, mostra que as pessoas pertencentes às famílias das faixas de renda mais baixas realizavam cerca de 60% de seus deslocamentos a pé, enquanto os mais ricos se deslocam por meios motorizados cinco vezes mais. Isso indica sérios problemas de acesso ao trabalho e às oportunidades de emprego, às atividades de lazer e aos equipamentos sociais pelos mais pobres, já que o raio de alcance físico dessas populações fica praticamente restrito às suas capacidades diárias de caminhada.
Em 2003, o Itrans (Instituto de Desenvolvimento e Informações em Transporte) em cooperação técnica com o Ipea, realizou um conjunto de pesquisas para conhecer os problemas de mobilidade urbana e as condições de acesso aos serviços de transporte público coletivo pelas populações de baixa renda em quatro regiões metropolitanas brasileiras, incluindo a região metropolitana de São Paulo. As pesquisas revelaram que a população com renda familiar de até três salários mínimos está sendo privada do acesso aos serviços de transporte público coletivo urbano. De acordo com as pesquisas, os principais motivos dessa privação eram as altas tarifas dos serviços e as deficiências na oferta, nomeadamente, as baixas freqüências e a dificuldade do acesso físico aos serviços (pontos e terminais distantes).
A mobilidade para o lazer nos finais de semana registrou, do mesmo modo, níveis baixos, pois, face às tarifas, o custo dos deslocamentos de uma família se torna proibitivo. Além disso, as freqüências dos serviços de transporte coletivo são ainda menores nos finais de semana do que nos dias úteis.
É imperativa a formulação e implantação de políticas públicas de transportes urbanos voltadas para os mais pobres, sobretudo as residentes nas periferias metropolitanas. Conforme as pesquisas já realizadas, entre as sugestões que a população de baixa renda oferece para facilitar os seus deslocamentos ou ampliar o acesso ao transporte público destacam-se: o aumento da quantidade dos serviços, com a redução dos tempos de espera e, mais importante, a redução do preço das passagens.
Nesse sentido, entende-se, as seguintes questões devem ser enfrentadas. A primeira delas se refere à necessidade de subsidiar os deslocamentos da população pobre. Isso implica, por exemplo, ajuste da política de subsídio existente ao usuário, com a extensão dos benefícios do valetransporte às populações de baixa renda ocupadas no mercado informal de trabalho, bem como criação de mecanismos de auxílio financeiro para a população que procura emprego. Ressalte-se que o financiamento de tais programas deve derivar de fontes extra-tarifárias; isto é, sem contar com o subsídio cruzado entre os usuários dos serviços. Um legítimo subsídio cruzado nos sistemas de transportes urbanos seria a taxação do uso do automóvel em áreas congestionadas com a destinação dos recursos arrecadados para o subsídio ao uso do transporte coletivo.
Não se pode esquecer que as condições de transporte podem ser melhoradas tanto por melhores condições de mobilidade quanto pela melhor distribuição no espaço urbano das atividades econômicas e sociais. Portanto, fica evidente a relação entre as políticas de transporte e uso do solo urbano. A adequada integração dessas políticas é uma questão fundamental a ser enfrentada para a sustentabilidade da mobilidade nas cidades. Por meio da integração das políticas é possível reduzir distâncias e aumentar a produtividade das infra-estruturas disponíveis, reduzindo os custos e os tempos dos deslocamentos.
Todavia, registra-se, tais ações não se resolverão apenas no âmbito técnico, mas sobretudo na esfera política, na qual o conflito é inevitável, seja na disputa do orçamento público, na decisão de localização das atividades na cidade, no uso da propriedade urbana, ou na concessão dos serviços públicos. Daí a necessidade do fortalecimento e aperfeiçoamento das instituições democráticas e de interlocução política, na qual a participação social na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas locais se torna cada vez mais importante.

Alexandre Gomide
Disponível em: http://www.urban-age.net/0_downloads/archive/_SA/14_NewsPaper_Essay_Gomide_por.pdf

(Comentário: Caindo na questão, novamente, da desigualdade social, ela está relacionada no texto lido com a mobilidade. São trabalhados fatores como o custo com o transporte e o quanto ele representa no orçamento das famílias, sobretudo as de baixa renda, os tipos de transportes utilizados, o tempo gasto no percurso e o acesso aos transportes públicos, além do tipo de atividade e local para qual o deslocamento é feito. Porém, o que chama a atenção é a relação que se cria entre as políticas de transporte e o uso do solo urbano, sendo esses capazes de alcançar melhorias no campo da mobilidade, atingindo toda a população dos centros urbanos.)

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